Em Portugal e no mundo inteiro há milhares de iniciativas para construir, o mais rapidamente e o mais barato possível, o maior número de ventiladores. Saiba porque esta corrida é tão importante.
O novo coronavírus ataca os pulmões - e é por isso que, nesta pandemia, se tem falado tanto de ventiladores. Estes são mecanismos de respiração artificial, que trazem, digamos assim, para fora do corpo, essa função. São pulmões artificiais. E, por isso, salva-vidas, essenciais para que alguém continue a respirar, mesmo tendo os pulmões totalmente parados com a infeção provocada pelo vírus.
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chineses. Chegam aviões da China com máscaras, testes e ventiladores, pagos pela comunidade chinesa
Nos casos mais graves, os pulmões ou o trato respiratório inferior são afetados, e há grandes probabilidades de desenvolver uma pneumonia. De acordo com a OMS, indivíduos com problemas de saúde subjacentes estão mais propensos a desenvolver uma pneumonia.
Em pacientes saudáveis, a pneumonia acontece em resultado da inflamação nos pulmões provocada pela tosse persistente. Isso pode levar a infeções que afetam os sacos de ar (alvéolos). Quando isso acontece, os pulmões não recebem oxigénio suficiente da corrente sanguínea, o que reduz a absorção de oxigénio e a libertação de dióxido de carbono (CO2).
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É nos pulmões, parte vital do sistema respiratório, que ocorre a troca de gases pelo metabolismo. Quando inalamos oxigénio, exalamos dióxido de carbono - todos os miúdos aprendem isto na escola primária. Ora, não conseguindo expelir o dióxido de carbono dos pulmões, isso pode levar à morte.
Os ventiladores são usados como uma forma de respirador artificial para expulsar o dióxido de carbono do organismo. É como um pulmão mecânico. Primeiro, um paciente é intubado através da inserção de um tubo no nariz e no estômago. Um outro tubo é colocado na boca e na traqueia. Esses tubos estão ligados ao ventilador respiratório, uma máquina exterior que bombeia o ar rico em oxigénio. O ar passa primeiro por um humidificador (que também o torna mais quente). No sentido oposto, o dióxido de carbono é então expelido dos pulmões do paciente, e eliminado pelo ventilador.
Tudo isto depende de um motor e de um sistema eletropneumático, que envolve o uso de ar e gases pressurizados - são aqueles tubos normalmente ligados às paredes de uma unidade de cuidados intensivos. Operar dispositivos como este requer conhecimentos médicos (enfermeiros ou terapeutas respiratórios).
O paciente não precisa de se esforçar tanto para respirar, por conseguinte, os músculos respiratórios descansam, o que permite ao doente ter tempo para recuperar da infeção, retomando o seu ciclo respiratório normal. Em simultâneo, o ventilador ajuda o paciente a obter a quantidade de oxigénio adequada e a eliminar o dióxido de carbono. Garante ainda estabilidade na respiração, retira o esforço das vias aéreas e evita eventuais lesões por aspiração.
Num país normal, há um determinado número de ventiladores, adaptados a uma sociedade normal, com um fluxo de doenças normais - e uma variedade de doenças normal. Mas nenhum sistema de saúde está preparado para receber, de repente, milhares de pacientes com a mesma disfunção respiratória.
É isso que tem acontecido nos casos mais graves de coronavírus - até agora Itália, Espanha e EUA. Não há, no mundo, dispositivos destes suficientes para atender ao crescente número de pacientes. Por isso é que é tão importante achatar a curva dos afetados, para que se consiga dar vazão ao número de doentes ao mesmo tempo - quantos mais forem, menos possibilidades têm de vir a ter um ventilador disponível.
Em Portugal, até ao início do surto, estavam disponíveis 1142 ventiladores, segundo os dados oficiais. Um mês depois dos primeiros casos de covid-19 não se sabe bem quantos haverá, até porque já houve vários aumentos - mas sabe-se que o país tem agora 9034 casos de infeção, já regista 209 mortes e 68 recuperados, segundo o último boletim epidemiológico da Direção-Geral da Saúde (DGS). Entre os infetados, há 1042 hospitalizados e, destes, 240 estão em unidades de cuidados intensivos (mais dez do que na quarta-feira). Oito são profissionais de saúde - sete médicos e um enfermeiro.
Entretanto, o secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, anunciou nesta quinta-feira que "foram oferecidos 400 ventiladores invasivos" e 140 não invasivos a Portugal, que se somarão aos já existentes. O Estado adquiriu ainda mais "900 ventiladores, sendo que 144 chegam neste fim de semana ao nosso país", acrescentou, garantindo que "estamos em condições de duplicar a capacidade de ventiladores". Feitas estas contas serão, no total, à volta de 2500 - esse será o número de pacientes graves que Portugal pode comportar, em cada momento do surto epidémico.
De Itália à China chegam diariamente relatos de pessoas a morrer por falta de cuidados intensivos, e isso acontece sobretudo devido à ausência de ventiladores. E é por isso que em Portugal e no mundo, laboratórios, universidades, indústrias e particulares estão a reconfigurar as suas atividades para ajudar os sistemas de saúde a fazer frente à pandemia do covid-19. E é urgente fabricar ventiladores!
Como sempre, a necessidade aguça o engenho. E a sociedade civil, com e sem apoios estatais, mobiliza-se: uma comunidade de voluntários concertou esforços para fazer face à escassez de ventiladores. Em todo o mundo, especialistas na área da saúde e engenheiros estão a construir ventiladores de código aberto - para salvar mais vidas e evitar que os médicos não tenham de tomar a terrível decisão de optar por quem irão salvar? Se um idoso ativo, um jovem desempregado ou uma mãe com dois filhos.
António Costa de visita ao Ceiia, na semana passada.
Neste vaivém, que está dependente de várias regulamentações e protocolos, a par da capacidade de produção de novos equipamentos, confirmado está que Portugal vai começar a produzir ventiladores já neste mês. Num projeto que resulta de uma parceria entre o CEiiA, o anterior Centro Tecnológico da Indústria do Automóvel e da Aeronáutica, e a indústria portuguesa, vão ser fabricados os primeiros cem ventiladores made in Portugal em abril. Em maio, estão previstos mais 400 dispositivos, seguindo-se a produção de mais dez mil ventiladores nos seis meses seguintes.
Portugal poderá ainda seguir o exemplo da Ferrari ou de fabricantes de automóveis britânicos que se disponibilizaram a converter de imediato as linhas de produção para montar os componentes e fabricar ventiladores. Alguns propõem, inclusive, que os componentes sejam impressos em 3D.
Outra ideia para resolver este problema é recorrer à capacidade de colaboração da comunidade científica e tecnológica para desenhar, produzir e distribuir equipamentos de saúde (especificamente necessários para o covid-19) de uma forma barata e rápida, complementar à indústria e, sobretudo, em regime open source.
E já há iniciativas a colher frutos. Caso disso é o movimento #ProjectOpenAir, que anunciou que um grupo de voluntários portugueses terminou com sucesso a primeira fase do desenvolvimento de um ventilador de emergência para cuidados intensivos, com um valor de produção muito inferior ao padrão.
O projeto, que estará disponível em código aberto, materializou-se com o contributo de várias personalidades e entidades, que incluem o LIP1 (Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas), a FCT NOVA2, a NOVA Medical School, o ICNAS3, a Harvard University e dois engenheiros portugueses que trabalham para equipas de Fórmula 1. A proprietária da patente é a humanidade, para que nenhuma entidade possa retirar proveitos económicos desta inovação.
O projeto OpenAir, de João Nascimento, já está a dar frutos.
A nível global, multiplicam-se os movimentos para trazer para o domínio público patentes da saúde, à semelhança do que acontece na área do software. A impressão 3D também começa a democratizar-se por todo o mundo, sendo já possível produzir pequenas peças a baixos custos, unidade a unidade.
Quando a indústria tradicional não consegue dar resposta à procura, esta pode ser uma solução, não só para fornecer hospitais mas também para incentivar a inovação. Mas, para isso, é necessário disponibilizar o código dos modelos de equipamentos hospitalares e encontrar novas formas de organizar a logística de montagem e distribuição.
Mais de 250 voluntários espalhados pelo globo já se inscreveram no Google Sheet para ajudar a desenvolver um milhão de ventiladores de emergência. O documento está aberto - qualquer pessoa pode adicionar o seu nome e informações para ajudar - e está a ser usado para reunir especialistas e organizar as pessoas em equipas ajustadas às suas capacidades.
A equipa por trás do 1 Million Ventilators Project quer projetar um dispositivo que "seja fácil de transportar, higienizar e usar em ambientes com pouca ou nenhuma energia". A meta traçada é produzir pelo menos um milhão de ventiladores, por menos de 200 euros a unidade. Os mentores garantem ainda que em pouco mais de uma hora de formação qualquer pessoa ficará capacitada para operar a máquina.
Os voluntários do 1 Million Ventilators Project incluem um especialista em software de dispositivos médicos em Londres, um biólogo na Suíça, um engenheiro mecânico no Peru e um especialista em cadeias de distribuição no Canadá. Um programa informático organiza as pessoas em grupos de trabalho com base nos seus conhecimentos. As categorias incluem cuidados intensivos, impressão 3D, engenharia biomédica, saúde pública, engenharia aeroespacial, broncoscopia, imunologia e treino em ventilação mecânica.
Já de França chega a notícia de que o Just One Giant Lab (JOGL), uma organização sem fins lucrativos que usa pesquisa aberta descentralizada para "resolver os desafios mais urgentes da humanidade", também está a convocar um coletivo para fabricar ventiladores de código aberto.
Todos os projetos no âmbito do coronavírus a serem desenvolvidos pelo JOGL, Just One Giant Lab, um enorme laboratório virtual e colaborativo.
O projeto do JOGL, o Helpful Engineering, reuniu já mais de 3400 engenheiros, cientistas e médicos voluntários para ajudar nas necessidades críticas decorrentes da pandemia do coronavírus, incluindo a produção de ventiladores. Segundo a organização, o grupo cresceu de dez membros para mais de cem em três dias, depois de a iniciativa ter sido partilhada no Reddit, e agora conta com 11 mil membros no Slack (uma plataforma de mensagens instantâneas). O cofundador do JOGL, Chris Graham, diz que a equipa está a rever "dezenas de projetos" para ventiladores, mas ainda lhes falta encontrarem fabricantes para levar o seu desígnio a bom termo.
Estes esforços tornam-se particularmente difíceis pelas limitações de comunicação impostas pela pandemia. Infelizmente, a necessidade destas iniciativas colaborativas surge num momento em que o isolamento social é vital e muitas vezes obrigatório. Os voluntários não têm outra escolha a não ser usar ferramentas de conferência online. O 1 Million Ventilators Project também usa uma série de documentos do Google que são editados ao vivo por voluntários, apresentando outro desafio: verificar as informações.
Qualquer pessoa pode aceder e editar o Google Sheet, operado pelo 1 Million Ventilators Project. Neil Thanedar, fundador dastartupLabdoor e cofundador deste movimento, explicou que há uma equipa de mais de uma dúzia de pessoas que supervisiona e verifica cada um dos grupos de trabalho. (Os grupos de trabalho reúnem-se duas a três vezes por semana por videoconferência e o contacto com os mentores é diária.)
Outra iniciativa colaborativa partiu da organização EndCoronavirus.org. O grupo de voluntários é formado por cientistas da Universidade de Harvard e do MIT, e por especialistas em pandemias e saúde pública. O objetivo do projeto é encontrar e partilhar dados sobre as necessidades de ventiladores e trabalhar no sentido de colmatar as lacunas na oferta. De seguida, estão focados em encontrar potenciais fabricantes com licença que reúnam condições para aumentar a produção.
O ventilador simplificado a ser desenvolvido pelo MIT e cientistas da restante Harvard University, em Boston, nos EUA.
Em segundo plano, o grupo está também a trabalhar em planos de código aberto para desenvolver ventiladores baratos para países menos desenvolvidos. Mas o fito primordial é mesmo trabalhar com fabricantes licenciados. O grupo está a apelar à ajuda voluntária de todos, desde médicos, advogados, especialistas em dispositivos médicos, engenheiros, escritores, influencers, programadores web, ou especialistas em redes sociais.
Uma equipa em Israel liderada pelo major Dr. David Alkaher e apoiada por várias instituições israelitas, incluindo as forças armadas, divulgou os planos, códigos e instruções completas para construir um ventilador AmboVent. É a primeira vez na história que é disponibilizada toda a informação para construir um equipamento destes homologado pela OMS para tratar pacientes com covid-19. Estima-se que cada unidade custe 500 dólares (456 euros) a produzir. A AmboVent disponibilizou um vídeo.
Seguiu-se a Medtronic, que divulgou toda a informação necessária para construir o Puritan Bennett ™ 560 (PB 560), um ventilador completo. Este dispositivo é mais complexo (e mais dispendioso) do que o AmboVent, mas também ele já foi aprovado por vários governos. Contudo, a licença da Medtronic é limitada à duração da pandemia. Ou seja, findo o surto, a "fórmula" não poderá ser usada em futuros modelos. Não obstante, é um presente que poderá salvar muitas vidas.
O maior desafio na batalha global contra a disseminação do covid-19 pode não ser necessariamente encontrar formas de tratar os sintomas. Tem-se verificado que o maior entrave é ter acesso à tecnologia necessária. Mesmo nos EUA, um país com capacidades médicas e recursos tecnológicos inigualáveis, a procura por ventiladores excede em larga margem a oferta. Face a isso, empresas de tecnologia norte-americanas estão a trabalhar incansavelmente para projetar novas máquinas de ventilação. Mas, apesar dos esforços, são muitas as barreiras reguladoras e a falta de contratos comerciais.
Empresas como a OneBreath estão a projetar e a testar ventiladores simplificados e acessíveis para hospitais e unidades de cuidados intensivos (UCI). De acordo com o site da OneBreath, a premissa é desenvolver "um ventilador destinado às UCI, centros de saúde e ambulâncias", "otimizado para ambientes com poucos recursos e projetado para iniciantes". As intenções são boas, mas por tratar-se de uma empresa nova, ainda não obtiveram autorização para vender ventiladores para instituições de saúde.
O ventilador da Onebreath - a empresa está a simplificar o processo para produzir mais.
E não são apenas as novas empresas que estão a enfrentar problemas. Fabricantes "veteranos", como a Ventec Life Systems, em Seattle, já obtiveram aprovação, mas não podem aumentar a produção até que um contrato comercial seja assinado.
Chris Kiple, CEO da Ventec, declarou à Forbes que a empresa "tem capacidade para aumentar a produção em cinco vezes num período de 90 a 120 dias". Mas, como Kiple apontou, "poucos hospitais querem assinar contratos comerciais para o que ainda é um vírus relativamente desconhecido". Aguardam o apoio de terceiros para assumir o risco, afirma Kiple.
O artigo da Forbes prossegue: "Se houver um aumento na procura, e estimando que sejam necessários três meses para entregar os dispositivos, os pedidos deviam estar a ser feitos agora. Mas as administrações hospitalares podem hesitar, dado o risco de os ventiladores poderem nunca vir a ser usados. Quem é que acarretaria com os custos?"
Máscaras faciais, viseiras, cogulas, ventiladores estão em falta nos hospitais, e os profissionais correm sérios riscos de saúde ao tratar os pacientes. As principais fábricas do setor automóvel, marcas de moda e outros produtores estão a explorar formas de acelerar o fornecimento destes equipamentos, enquanto as empresas de dispositivos médicos tentam acelerar a produção. Destaca-se, de seguida, algumas empresas líder, por geografia, que estão a contribuir para aumentar a produção de ventiladores:
Europa: Air Liquide, Dyson, Ferrari, Formula 1 Teams, Fiat, Nissan, Philips, Volkswagen
América do Norte: Ford, GE Healthcare, General Motors, Linamar Corp, Martinrea International Inc, Medtronic, Rogue Fitness, Tesla, Thornhill Medical, Ventec
Ásia-Pacífico: Aeonmed, AgVa Healthcare, Mahindra & Mahindra